Da inquietude ("gajas como tu nunca morrem")
«Gajas como tu nunca morrem...». Nunca morrem o tanas. Como lhe disse, já morri pelo menos 3 vezes. Bem conservada, então, disse ela. Poderia ser formol, não fosse eu mais dada ao álcool (embora cada vez mais selectiva). Mas também não me parece.
Deve ser desta angustiante inquietude que me atormenta. É mais do que ponderar obsessivamente sobre o lado b das coisas. (e o lado c, e o lado d). É ponderar, analisar, colocar debaixo de lentes amplificadoras. É fotocopiar, ampliar, rasgar para voltar a colar. É uma inquietude, vim a descobrir; para mais, é estrutural, vim a confirmar. Sei que vou sempre, seja nos píncaros do êxtase ou na lama da desgraça, questionar-me, procurar razões para, razões por que, antecedentes e consequentes, mas e ses. Procurarei sempre - sei que o farei - onde possa encontrar uma réstia de incerteza que me permita confabular para fora dali; saber e onde poderia estar em alternativa e, mais ainda, porque lá não estou.
É, suprema ironia vocacional, uma fobia existencial: não consigo estar fechada num quarto só, esteja ele decorado exemplarmente e de harmonia inatacável. Fóbica existencial como sou, preciso de saber que tenho uma porta, uma janela, uma escada de incêndio por onde possa sair - não precisando, realmente, de sair em tempo algum. Só preciso de saber que existe.
Mas é esta inquietude, esta estrutural inquietude, que me faz entender que o conforto pode ser um obstáculo - um obstáculo para mudar de divisão.
às vezes eu falo com a vida
às vezes é ela quem diz
qual a paz que eu não quero conservar para tentar ser feliz
Maria Rita, A Paz que eu não quero (Segundo, 2005)
É, deve ser por isso que gajas como eu nunca morrem. Porque esta minha inquietude nunca me vai deixar...em paz. A tal paz que eu não quero conservar para tentar ser feliz. Mesmo que, afinal, me faça morrer pelo caminho várias vezes.
2 Comments:
Gostei. Soou-me a próximo!
Saramago chamar-lhe-ia "as intermitências da inquietude" :)
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