Monday, January 09, 2006

«A paixão é como um Deus...»


A paixão é como um deus
que quando quer me toma todo o pensamento
dirige os meus movimentos,
meu passo eterno,
meu pulso é desse todo poderoso sentimento

Maria Rita, Mantra in Segundo

O cenário escuro e as velas acesas chamavam pelo acórdeão e pela percussão. E a voz dela ecoava. Primeiro em cd (para ir entretendo as hostes), depois ao vivo. E entra "Muito (para mim é tão) pouco", vestido até aos pés e descalça. Passo a passo, debita o drama

não sei mais do que sou capaz
gritando para não ficar rouca
em guerra gritando por paz
muito para mim é tão pouco
e pouco eu não quero mais

do paradoxo, do preto que é branco e vice versa.

Só por isto, já o concerto teria valido a pena (passados os primeiros 30 segundos de feedback do microfone). Maria Rita, acompanhada divinamente, ainda é tímida. É como a malta que bebe à noite: só está à vontade lá para a 3ª ou 4ª bebida, no caso, 3ª ou 4ª música. E foi enternecedor vê-la sem palavras (fez-me lembrar qualquer coisa...) , rematando, algumas hesitações vocais depois, com um "vocês gostam de ver as pessoas se esgolando".

Maria Rita cresceu. Está mais interventiva. Mais à vontade e, quase paradoxalmente, mais tranquila.

Poderia falar de muitas outras coisas. Poderia dizer que continua o espectro Ellis a pairar no ar, mas isso de nada importa, porque não é necessariamente mau. Poderia dizer que ela não compôs uma única música em dois albums, mas isso nada importa, porque se fez reunir do mais competente que existe.

O que interessa é que um espectáculo de Maria Rita é mais do que um concerto. Acerto vocal muitos têm, dramatismo na interpretação alguns conseguem ("Santa Chuva" faz uma ligação gestos/som/imagem próxima da edição de vídeo!), mas a mistura de ambos é que é difícil de encontrar. E, quando assim é, não é um mero espectáculo: é um belo naco de existência. Naco esse que eu degluti avida e tranquilamente, naquela mistura de jazz e mpb que só está ao alcance dos predestinados.

E eu deliciei-me com a possibilidade de poder partilhar o festim. E, para dizer, no fim: é bom estar vivo só para poder presenciar...

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