Thursday, January 05, 2006

Fiona's Box #3


Quando fui a Nova York, estive a um instante de decisão de ver "Evita" na Broadway. Não vi. Acabei por ver "Miss Saigon", com um ou outro bocejo, só cortado pela magnífica máquina de produção que - justiça seja feita - os americanos sabem fazer como ninguém (mesmo os "musicais" britânicos são mais Teatro e menos espectáculo).

Menos de um ano depois, surge "Evita" - o filme. Vi o nome mágico de Oliver Stone na ficha técnica antes da estreia e, mesmo algo receosa, vi o filme no cinema. O meu fascínio por essa figura, que conflui de forma dramática justiça social e podridão, já vinha da altura em que o meu pai me passou para as mãos a auto-biografia de "Evita". Essa auto-biografia é tão somente um delírio político, de uma mulher que se colocou ao serviço de um homem fraco e situacionista como Perón, e que foi escrito como manifesto do que ela chama de Justicialismo Social.

Naquelas entrevistazinhas ridículas que se fazem nas entrevistas às figuras mais-ou-menos-públicas, há sempre aquela perguntinha "que figura histórica gostaria de conhecer?". No meu caso, nem Che, nem Fontes Pereira de Melo nem Freud. Eu gostaria mesmo era de conhecer Eva Péron.

Porque "Evita" é um paradoxo estrutural: uma espécie de santa, dizem uns, uma puta, dizem outros. Defendia os interesses dos "descamisados", mas lutou pelo poder, e respectivas regalias, com a mesma energia com que perseguia os opositores do seu regime. Nunca defendeu a liberdade de expressão, porque silenciou rádios e jornais...encerrando-os. Tinha um ódio visceral à classe média. Criou a Fundação Eva Perón, dava comida, casa, dentes a quem não os tinha, educação, saúde; mas com um show off que soa a propaganda de regime. E as empresas que não queriam contribuir com fundos para a dita Fundação, eram encerradas.

Mas o mais paradoxal da vida desta mulher foi a forma como negou a sua doença. Um delírio de poder de tal forma grande que acreditava ultrapassar o seu cancro com a missão a que se tinha destinado. Achou que não se poderia afastar no momento em que os militares ansiavam pela altura exacta para assaltar a Casa Rosada ("São Bento" lá do sítio).

Depois da auto-biografia, li mais duas biografias dela. E, inconsistências históricas à parte (a que lutava pela "paz, saúde e educação" e defendia a religiosidade extrema, deixou inúmeros quartos de roupas Dior, jóias de valor incalculável e quase 2000 pares de sapatos), confirmo a minha ideia inicial: é uma figura histórica que encerra tudo ao extremo, o que há de bom e de mau.

E continuo a sonhar com o dia em que possa viajar a Buenos Aires.

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