Wednesday, May 03, 2006

A propósito da comemoração do nascimento de Freud


Dr. Goldfine: I'm sure Freud would not approve of this.
Bree: Oh, who cares what he thinks. I took psychology in college. We learned all about Freud. A miserable human being.
Dr. Goldfine: What makes you say that?
Bree: Well, think about it. He grew up in the late 1800s. There were no appliances back then. His mother had to do everything by hand, just backbreaking work from sunup to sundown, not to mention the countless other sacrifices she probably had to make to take care of her family. And what does he do? He grows up and becomes famous, peddling a theory that the problems of most adults can be traced back to something awful their mother has done. She must have felt so betrayed. He saw how hard she worked. He saw what she did for him. Did he even ever think to say thank you? I doubt it.

Bree Van der Kamp - Desperate Housewives (2004)

Quando ainda dizia, em contextos sociais onde não conhecia bem as pessoas, que era psicóloga, várias coisas assustadoras aconteciam. Já me aconteceu ter uma pessoa aos berros aos meus ouvidos durante 30 minutos, tentando explicar que somos ainda mais demoníacos que os padres. Já me aconteceu receber "o olhar" que alguns, poucos, ainda acabam por verbalizar: "ok, agora vais analisar o meu comportamento durante os próximos tempos, não é?". Já tive um taxista a pressionar-me para lhe dar uma consulta, "porque toda a gente que esteve no Ultramar deve ter essa coisa do stress pós traumatizado". Isto já para não falar nas pessoas que se aproximam e que me vêm falar, na fase do café e sobremesa, sobre o tio-do-primo-da-sobrinha-que-deve-só-pode-estar-com-uma depressão. E, last but not the least: "Ah, és psicóloga? O Freud era um tipo muito marado...". (Versão alcoólica: "ah, aquele tipo que só pensa em sexo...também és assim?". Sorriso.)

Pois era. Marado no sentido insidioso do termo. O que se pode dizer de uma pessoa que, ao desejar experimentar os efeitos de alguns químicos na hipnose, acaba por matar o melhor amigo com uma dose cavalar de morfina e heroína? Ou que passou anos em abstinência sexual porque acreditava piamente no conceito de pulsão e canalização de pulsão (se concentrasse toda a pulsão no seu trabalho, seria mais produtivo)?

Não sou fanática de Freud. Vejo a corrente psicanalítica (que não se esgota em Freud, pelo contrário) mais como uma narrativa, que criou conceitos completamente pioneiros para o final do século XIX e que quanto mais aprofundo os meus anitos de circo, mais constato. A própria psicanálise é uma ferramenta poderosíssima, mas é profundamente elitista (3 consultas por semana num mínimo de 100 euros cada não é para qualquer um), pode viciar o cliente nos seus próprios inenarráveis labirintos, porque sofre de um viés individualista e intrapsíquico claro e inquestionável. Mais: que em muito pouco contribui para o sujeito operar nos seus reais contextos de vida, porque tende a negligenciar os outros níveis de análise (micro, macro, meso e exo...). Traduzindo: a psicanálise, pelo menos a ortodoxa, tende a negligenciar outros níveis de influência, mormente a influência das macro-estruturas sociais (e a crise que vivemos está materializada no nosso quotidiano, limitando a vivência e a existência dos sujeitos).

A própria corrente psicanalítica tem ultrapassado os seus próprios dogmas e limitações, com autores como o Arno Gruen ("A Traição do Eu" - o medo da autonomia no homem e na mulher") ou o Leon Grinberg ("A loucura da normalidade").

Mas o que mais me irrita no senso comum acerca da Psicologia é a ligação Freud-sexualidade. Facto: para Freud, o desenvolvimento é de natureza psicosexual. Mas, MAS!, o conceito de sexualidade é completamente diferente do senso comum: para Freud, sexualidade é tudo o que proporciona prazer. Um conceito muito alargado, portanto.

A Psicologia já existia antes de Freud. Não é, portanto, o seu fundador. Mas se criou uma corrente que ainda hoje é - ainda que muito classissista - profundamente aplicada, é porque será, certamente, uma das mentes mais brilhantes do século XX.

1 Comments:

Blogger Marco Aurélio said...

Fiona

Perdi a data para fazer um post em homenagem ao aniversário de 150 anos de um dos maiores pensadores do século 20, conhecido popularmente como o pai da psicanálise, Sigmund Freud. Amanhã escreverei sobre ele pois hoje já estou meio sem tempo e primeiro quero ler sobre quem escreveu sobre este gênio. Se puder dar uma olhada...

Um abraço

Marco Aurélio

1:34 PM  

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