Friday, September 15, 2006

Under pressure

A última vez que tinha olhado para o relógio, no mostrador do carro, ditava 23:17. Carlos Paredes e o seu choro de guitarra portuguesa ecoava.

Matosinhos, perto do Hospital Pedro Hispano. Um homem com 2 canadianas está na beira do passeio, com uma passadeira aí a uns 30 metros ou assim ("ou assim", porque nunca fui grande coisa a medir distâncias).

Olho pelo retrovisor e não vem ninguém atrás. Abrando, até parar o carro. Quero deixar o homem passar. Olha para mim com um ar desconfiado, como se não estive à espera de tal benesse. Transmito-lhe a minha intenção de o deixar atravessar a rua com um gesto, que ele imediatamente compreende. Lento, atravessa então. Viro o olhar novamente para o retrovisor, vejo umas luzes de automóvel que vêm atrás, ainda um pouco longe. Ganho em preocupação, porque a via é de duas faixas no mesmo sentido, imagino que o impulso de quem vem atrás é o de contornar o meu carro, apanhando em cheio o homem que seguia, devagarinho, a olhar para o chão.

O carro das luzes ao fundo aproxima-se. Não sei a que velocidade vinha, mas parou atrás de mim. Só aquele travar era sintoma, digamos eufemisticamente, de alguma irritação.
Enquanto o homem ainda atravessava a rua, o de trás começou a buzinar e a dar sinais de luzes.

Um, dois, tr........

Saquei do travão de mão e abri a porta. Saí do meu carro, diriji-me ao do outro e disse-lhe com o sangue nas veias a correr a mil: ouça lá, não vê que está 1 pessoa com duas canadianas a atravessar a rua?. Responde o tipo: ouça lá, e para que servem as passadeiras, sua estúpida?

Gelei. Entrei no que eu chamo de modo alfa, que é quando sintonizo um canal a quem ninguém mais tem acesso. Não ouço nada nem ninguém: só a mim e aos meus impulsos.

Respondi: Ouça lá, oh seu filho da puta, quer que eu vá buscar ao carro o taco de basebol? Que lhe parta as duas pernas e uma ligação neuronal pelo meio para saber que 10 passos para si são 100 para quem tem dificuldades em andar?

Ele responde novamente com uns quantos grunhidos - percebi imediatamente que era do tipo ladra mas não morde (sim, posso ser impulsiva, mas não sou estúpida). E disse-lhe: então deixe-se estar que vai já saber o que é, e fingi que fui à mala do carro. A verdade é que quando virei as costas, ele arrancou, lançou-me mais uns impropérios do género és maluca, não sei quem te deu a carta, é o que dá mulheres ao volante, mas fugiu.

E eu juro, juro perante vocês, que não tenho nenhum taco de basebol no carro. Mas da forma como estava, chegava-me a chave de fendas.

Por isso peço ao universo que nunca me chegue uma arma às mãos.

1 Comments:

Blogger Sol said...

Eheheh. Às vezes também me passo ligeiramente. Reconheci-me nas tuas palavras. Ainda bem que não temos armas, só posso concluir! :)

7:36 AM  

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