Monday, May 08, 2006

Sem tirar nem por

...mas só com uma pequeníssima alteração: a Selecção Nacional já não existe. Eu chamo-lhe Equipa A da Federação Portuguesa de Futebol Profissional.

"Para além da espuma das coisas" - Miguel Sousa Tavares

«Imagine, leitor, o seguinte cenário: uma empresa constitui-se tendo como grande objectivo concorrer a um concurso internacional de prestígio mundial — chamemos-lhe a Empresa. O capital necessário é reunido por subscrição pública, entre pessoas commuito, com algum ou com pouco dinheiro, que acreditam no projecto—chamemos- lhes os Accionistas. Para o liderar, a Empresa contrata um dos profissionais com mais nome no mercado internacional, a quem se dispõe a pagar um ordenado milionário — chamemos-lhe o Profissional. O Profissional reune então uma equipa de quadros altamente qualificados — chamemos- lhe a Equipa—e, durante dois anos, eles preparam-se, com todas as condições, todas as mordomias e todo o crédito, para a tarefa que a Empresa e os Accionistas lhes confiaram— chamemos-lhe o Evento. E, então, doismeses antes do evento, o Profissional aceita reunir-se em segredo com uma empresa concorrente daquela que lhe paga, com o propósito de contratar os seus serviços após o Evento. Ou seja, quando toda a gente, a começar pela Empresa que passou dois anos a pagar-lhe umordenado de luxo, o imagina apenas concentrado no objectivo definido e a mobilizar a sua Equipa para tal, ele está a negociar um novo contrato, acautelando o futuro. Agora, leitor, ponha os nomes às coisas: onde está Empresa, leia Federação Portuguesa de Futebol; onde está Accionistas, leia pagadores de impostos; onde está Evento, leia Mundial de Futebol; onde está Equipa, leia Selecção Nacional; e onde está Profissional, leia Luiz Filipe Scolari. Foi isso que aconteceu: o nosso Seleccionador Nacional, o mesmo que em devida altura vai fazer um apelo ao patriotismo dos portugueses e às bandeiras desfraldadas nas varandas e nos carros, aceitou reunir-se, dois meses antes do Mundial, com representantes da Federação de Futebol Inglesa para discutir as possibilidades de trocar de bandeira, logo após o Mundial. Sim, eu sei: vão-me dizer que ele é um profissional e que o futebol é assim, nos tempos que correm. Mas, então, por favor, não me venham com patriotismos, e «a Selecção de todos nós», e o «treinador de todos nós» e outras bugigangas que tal. Eu pago, eles que joguem, e ponto final. Parece, também, que o «nosso» seleccionador não ficou muito entusiasmado com o convite da Federação Inglesa: o ordenado não era assim tão superior ao que lhe pagamos, o clima é pior, a segurança não é comparável, a família gosta mais de Lisboa e a imprensa aqui é bem mais simpática e compreensiva. Acho uma escolha muito legítima e sábia. Mas, por favor, não a venham depois apresentar como amor a Portugal ou «compromisso de cavalheiros». As coisas são o que são. »

Ps: para quem acha que eu ando muito caladinha sobre as coisas da bola, aqui fica a promessa: falo quando a época azul e branca acabar.

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