Da perda
«Dizem que o tempo cura. É mentira. O tempo não cura nada, o tempo alivia a dor, consola-nos a alma, ensina-nos a tratar os afectos como pessoas crescidas. Uma espécie de anestesia fraquinha, que nos faz distrair de nós mesmos. Das nossas emoções e da força dos nossos sentidos. E depois vêm os entendidos, movidos pela urgência da cura. Trazem o diagnóstico numa mão e a receita na outra; chamam-lhe obsessão, fixação, paranóia, teimosia, e para que ela se instale há que declinar o verbo esquecer, em todos os tempos e modos, como se alguém assim estivesse realmente interessado em esquecer.»
Da segunda vez que morri, quando estava fora de causa o verbo esquecer, alguém me disse: prometo-te que o tempo vai ajudar;não te vai fazer esquecer, mas vai ajudar. Descrente, anuí simplesmente pela pessoa em causa. Mas assim aconteceu: nunca me esqueci do que foi a sensação de falta de controlo a cada minuto da minha vida naqueles longos e longos meses. Nunca me esqueci da sensação de abandono, do não ter raízes em lado algum e a necessidade de os construir, só para os poder destruir outra vez.
E, de facto, nunca mais me esqueci. Ressuscitei com uma arrogância constructivista a todos os títulos inovadora. Percebi o significado da máxima nietzchiana em todo o seu esplendor. Tomei por adquirido que o poder estava em mim. Em última análise, a salvação não está no outro: só em nós.
Maria João Lopo de Carvalho
in Única - Expresso
Da segunda vez que morri, quando estava fora de causa o verbo esquecer, alguém me disse: prometo-te que o tempo vai ajudar;não te vai fazer esquecer, mas vai ajudar. Descrente, anuí simplesmente pela pessoa em causa. Mas assim aconteceu: nunca me esqueci do que foi a sensação de falta de controlo a cada minuto da minha vida naqueles longos e longos meses. Nunca me esqueci da sensação de abandono, do não ter raízes em lado algum e a necessidade de os construir, só para os poder destruir outra vez.
E, de facto, nunca mais me esqueci. Ressuscitei com uma arrogância constructivista a todos os títulos inovadora. Percebi o significado da máxima nietzchiana em todo o seu esplendor. Tomei por adquirido que o poder estava em mim. Em última análise, a salvação não está no outro: só em nós.
4 Comments:
"da segunda vez que morri" é, por si sò, uma frase muito bonita...
que raio é a maxima nietzchniana?
é verdade, é verdade...fui eu q dei a ideia ao saramago...só q o tipo inverteu a coisa!(e, ao q parece, mto bem)
cada recomeço só é possível mediante uma morte. Morte de ti, de partes de ti, morte de partes de ti nos outros (e vice versa). Aos 23, foi a segunda vez q morri!:)
máxima nietzchiana: não tenho aqui o "Assim falava Zaratrusta", mas é qualquer coisa do género: o que não destrói o homem, fortalece-o.
boa surpresa o teu blog Fiona! Identifico-me muito!
gracias, raínha das cores. Tb gostei do teu, para além do cheirinho a algo de comum!;)
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