Hesitei pronunciar-me sobre este assunto. Iniciei um post, deixei-o em draft, apaguei-o. Fi-lo porque tenho a exacta noção de que é um tema excessivamente complexo, que encerra questões históricas muitas das quais eu nem sequer tenho conhecimento (é o que dá quando a História tem milhares de anos), questões de sensibilidade cultural (que por vezes nem a maior das razoabilidades consegue apreender) e questões de bom senso institucional. Tenho, portanto, a consciência de que não sei tudo o que deveria saber sobre esta matéria.
Não consigo deixar de confirmar que o mundo todo insandeceu quando vejo embaixadas a serem queimadas, diplomatas que desempenham funções de observação internacional na Cisjordânia (portanto, em princípio, para serem testemunhas do sofrimento do povo palestiniano e comunicá-lo à comunidade internacional), ordens de líderes religiosos a oferecerem kilos de ouro por cada soldado norueguês, dinamarquês ou alemão morto(mas que raio têm os alemães a ver com isto?) , ameaças AO ESTADO DINAMARQUÊS...
E por muito sensível que possa ser aos argumentos da diferença religiosa e cultural, não consigo empatizar e muito menos considerar minimamente legítimo ou até compreensível toda esta reacção de uma franja (como está tão em voga chamar-lhe) do mundo islâmico.
Dou como inconcebível a criação de um livro cujo objectivo único parece o de achincalhar a cultura islâmica. Mas faz parte das regras da democracia: cada um toma as suas opções, mas num país livre, as consequências assumem-se e julgam-se, em última instância, NUMA COISA CHAMADA TRIBUNAL. Não se mobiliza uma zona do globo para ameaçar outra.
É esta a diferença entre "os europeus" e "os muçulmanos", com tudo o que esta generalização tem de abusivo. Os muçulmanos acham que é responsabilidade de um Estado o que um jornal (mais concretamente um pasquim de extrema direita) publica. E porque um Estado não persegue e não ameaça de morte o autor dessa publicação no jornal e o autor do livro, é conivente com uma humilhação de TODO o povo islâmico.
O que esses milhares de muçulmanos parecem esquecer, esses que queimam embaixadas e comissões permanentes, é que quando todos estes acontecimentos ocorrem passados 3/4 meses da data da publicação, não se trata de nada mais do que uma jogada política em que estas massas são manipuladas e alimentadas através de um ódio pré-existente. É uma pena, por exemplo, que a mocinha muçulmana que na passada 6ª feira, numa dessas manifestações, apelava à criação de um comité internacional que penalizasse os abusos do Ocidente em relação ao Médio Oriente, não pareça estar tão interessada em reflectir sobre o papel da mulher na cultura islâmica.
Ah, e já agora, é também uma pena que o Ministro dos Negócios Estrangeiros do país onde vivo, deduzo para os impostos e voto, não tenha uma palavra sequer de condenação desta espiral toda - ficando-se por um qualquer complexo de culpabilização histórica que em nada dignifica toda esta questão.
De bom fica apenas o exemplo do líder da comunidade islâmica na Dinamarca:
eu vou tomar as minhas atitudes e aquilo que acho melhor. O estado da Dinamarca, se assim o entender, que me expulse. É isso mesmo: eu faço aquilo que quiser, desde que entenda como regra do jogo o assumir das minhas consequências em democracia.